Publicado no Estadão, São Paulo/SP, em 29 de junho 2023, as 13h21
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O NEGACIONISMO E O TRÁFICO DE DROGAS
A Organização das Nações Unidas (ONU) estabeleceu o dia 26 de junho como o Dia Internacional contra o Abuso e Tráfico Ilícito de Drogas. A data foi criada pelas Nações Unidas e tem por objetivo conscientizar a população a respeito dos problemas desencadeados pelas drogas aos indivíduos que a consomem e à sociedade.
O crime de tráfico de drogas não mais deve ser compreendido como um delito que tem como bem jurídico tutelado a saúde e a segurança pública. Essa percepção deve ser ultrapassada. Hoje o tráfico de drogas é responsável pela absoluta maioria dos crimes graves que afligem a sociedade, em especial, os homicídios. O tráfico de drogas representa um delito contra a sobrevivência da nossa sociedade. As vítimas do tráfico são difusas! Todos somos vítimas diárias da violência perpetrada pelas crescentes e organizadas facções criminosas, em nome do tráfico de drogas.
O tráfico de drogas está para a criminalidade em geral, assim como o sol para o sistema solar. No entorno do tráfico orbitam os homicídios, latrocínios, roubos, furtos e tantos outros crimes.
Os “ataques” realizados por facções criminosas contra seus inimigos são responsáveis por incontáveis assassinatos decorrentes de “efeitos colaterais” ocasionados pelas “balas perdidas”.
A disputa entre grupos rivais (algumas organizações criminosas altamente estruturadas, até mesmo com caráter transnacional) pelo domínio de territórios para a mercancia de entorpecentes desencadeou um “mata-mata” desenfreado, principalmente, entre os jovens.
Essas facções criminosas se portam como verdadeiras empresas, mediante nítidas divisões de tarefas. Lá, no mundo do crime, as “regras” são outras, porém, funcionam como uma engrenagem.
O Brasil é signatário de tratados internacionais em que firmou inúmeros compromissos para combater o tráfico de drogas. No entanto, observa-se que, nos últimos anos, há uma suavização cultural, legislativa e jurisprudencial no que toca ao combate a esse crime que tem trazido danos irreparáveis à nossa sociedade. E, mesmo assim, é comum ouvirmos argumentos de que a guerra contra as drogas é perdida. Contudo, em uma simples análise sobre como está sendo travada a “guerra”, constata-se que o Estado, que é uma das partes beligerantes, tem, cada vez mais, uma diminuição de armas, munição, de território e, principalmente, capacidade de mobilização de tropas. Enquanto isso, os traficantes avançam em todos os sentidos. E o mais assustador é que o responsável por criar essa situação assimétrica é, pasmem, o próprio Estado beligerante que está em desvantagem.
Tratar um criminoso que, para praticar sua conduta, utiliza crimes graves como homicídios, torturas, estupros, entre outros, como uma vítima da sociedade é revitimizar as verdadeiras vítimas dos traficantes. Vincular o tráfico de drogas à pobreza, é autoengano ou fingimento, uma vez que este raciocínio é uma famosa falácia lógica, sem contar o tremendo desrespeito com as pessoas mais humildes que, em sua imensa maioria, levam uma vida digna, pautada em virtudes e não concorda em nada com as práticas dos traficantes.
A figura do traficante “paz e amor” representa uma narrativa criada para suavizar a imagem do criminoso, que pratica condutas nefastas, escondendo do imaginário popular as crueldades por ele praticadas. Para manter o domínio do seu “comércio”, o traficante coage, ameaça, agride e mata! A violência é o combustível que sustenta o tráfico de drogas!
O “tráfico privilegiado”, prevista no artigo 33, § 4º, da Lei de Drogas, que autoriza considerável redução de pena ao traficante que “não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa”, representa uma ficção jurídica, eis que atualmente é impossível que qualquer traficante exerça o comércio ilegal de substâncias entorpecentes sem estar vinculado a uma associação criminosa. A realidade deixa claro que há muito tempo deixou de existir a figura do “traficante autônomo”!
Nós, como nação, precisamos decidir, de forma sincera, a quem vamos defender e quais condutas queremos prestigiar. Nós, como nação, precisamos parar com falácias e narrativas românticas em relação a figura do traficante de drogas. Nós, como nação, precisamos encarar a realidade como ela é e perceber o caminho que estamos trilhando e os sérios riscos que aparecem no horizonte. Tudo isso antes que a bigorna da realidade caia na nossa cabeça e, assim, seja tarde demais.
Não podemos fechar os olhos para a realidade que nos cerca. E, como disse uma vez o jurista francês Georges Ripert, professor e reitor da Faculdade de Direito de Paris: “Quando o direito ignora a realidade, a realidade se vinga ignorando o direito.”
Leonardo Augusto de Andrade Cezar dos Santos: Doutor e Mestre em Estado de Derecho y Gobernanza Global (Universidad de Salamanca, Espanha); Promotor de Justiça no Estado do Espírito Santo.
Rodrigo Monteiro: Doutor em Estado de Derecho y Gobernanza Global (Universidad de Salamanca, Espanha); Mestre em Direito (FDV – faculdade Direito de Vitória) Promotor de Justiça no Estado do Espírito Santo.
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