Publicado em A Gazeta, p. 15, em 26 de abril 2016
“A Voz do Brasil” é um noticiário estatal, de difusão obrigatória, conforme previsão do artigo 38, do Código Brasileiro de Telecomunicações, que vai ao ar diariamente, há mais de 70 anos, em todas as emissoras de rádio do Brasil, as 19:00 horas, com o objetivo de levar informações a todos os cidadãos brasileiros. O programa é produzido pela Empresa Brasil de Comunicação, uma empresa pública do Governo Federal. Mas, de fato, qual é a real função de “A Voz do Brasil”? Trata-se de um programa voltado a difundir informações de interesse social, ou, apenas, divulgar e enaltecer as qualidades do Governo Federal? Há, assim, o escopo de privilegiar o interesse público primário (o verdadeiro interesse público) ou o interesse público secundário (interesse do governo)? A Constituição Federal, em seu artigo 37, XXII, § 1º, é clara ao disciplinar que “a publicidade dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos deverá ter caráter educativo, informativo ou de orientação social, dela não podendo constar nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos”. Diversamente da coercitiva previsão constitucional, é possível perceber, todos os dias, que “A Voz do Brasil” se presta, tão somente, a divulgar, de modo parcial, notícias de interesse do Governo Federal (interesse secundário), em afronta, também, ao artigo 37, caput, da Constituição, que versa sobre o princípio da impessoalidade, o qual determina que toda atuação da Administração Pública jamais pode buscar fim diverso da satisfação dos anseios da coletividade e, nessa toada, a divulgação de atos promocionais do Governo Federal destoa da regra constitucional. Exemplo evidente da violação ao princípio da impessoalidade foi novamente observado na edição levada ao ar no dia seguinte à sessão da Câmara dos Deputados que culminou com o recebimento do processo de impeachment contra a Presidente da República, ocasião em que a Empresa Brasil de Comunicação produziu um programa que enalteceu apenas uma versão dos fatos que constam no processo de impedimento, com divulgação de trechos de pronunciamentos da própria Presidente e do Advogado-Geral da União, bem como por meio de entrevistas dos líderes do Governo na Câmara dos Deputados e no Senado Federal. Nesse contexto, cabe a seguinte indagação: a quem serve “A Voz do Brasil”? Ao interesse público primário ou aos interesses do Governo Federal, os quais, por vezes, se apresentam contraditórios ao verdadeiro interesse da sociedade brasileira?
RODRIGO MONTEIRO
Promotor de Justiça; Mestrando em Direitos e Garantias Fundamentais (FDV).
