MILHÕES DE MOTIVOS PARA NOS ENVERGONHARMOS – 2017

MILHÕES DE MOTIVOS PARA NOS ENVERGONHARMOS – 2017

Publicado no Jornal a Tribuna de Vitória/ES, v. 1,  p. 21, em 01 de outubro 2017

O que os municípios de Muniz Freire e Ibiraçu têm em comum com a última operação da Polícia Federal realizada no início do mês de setembro, que apreendeu mais de 51 milhões de reais em um imóvel vinculado ao pemedebista baiano Geddel Vieira Lima? Assim como os municípios citados, outras 36 cidades capixabas obtiveram arrecadação total no ano de 2016 inferior ao montante de dinheiro fruto de corrupção encontrado pela Polícia Federal. Essa informação é estarrecedora, uma vez que evidencia o grandioso volume de recursos públicos que tem sido reiteradamente desviado em todos os níveis da administração pública brasileira. Inúmeras políticas públicas nas áreas da educação, saúde, previdência, segurança, entre outros, poderiam ser implementadas com a quantia de 51 milhões de reais, entretanto, isso não é possível em razão da corrupção. A corrupção no Brasil pode ser vislumbrada como um verdadeiro círculo vicioso que se retroalimenta, eis que não é possível compreender se agentes públicos se mantém no poder por décadas com a finalidade única de desviar recursos públicos ou se desviam esses mesmos recursos com o propósito de perpetuação do poder. E essa perpetuação no poder voltada unicamente ao objetivo de enriquecimento ilícito às custas do sofrimento coletivo conta com a inequívoca colaboração da sociedade. Tal colaboração pode ser observada em duas vertentes: na acepção ativa, a sociedade contribui para esse processo na medida em que continuamos a escolher mal nossos representantes e insistimos em manter no poder as mesmas oligarquias que estão orbitando o poder há décadas; na acepção passiva a contribuição consiste na quase que completa ausência de controle social dos atos da administração pública. Essa ausência de fiscalização popular é um inegável combustível ao fortalecimento dos atos de corrupção. E é preciso lembrar que essa classe política que insiste em dilapidar os cofres públicos pode ser enxergada como um reflexo da sociedade que representa. A sociedade brasileira desde sua formação apresenta-se apegada de modo visceral ao “jeitinho brasileiro”. Todos querem fazer valer seus interesses em detrimento do outro. Existe uma cultura que propicia o fortalecimento da corrupção, seja em relação ao serviço público, seja nas relações privadas. E essa cultura é alimentada de forma perigosa pela impunidade, eis que aqueles que cometem atos de corrupção raramente são punidos. No Brasil a corrupção é um negócio rentável, de baixo risco. A impunidade se apresenta como um dos maiores combustíveis da corrupção. Infelizmente sabemos que somente uma pequena proporção da sociedade cumpre as regras do modo voluntário. Outro pequeno grupo viola todas as regras formais e informais, não se preocupando com as consequências. A maior parte do corpo social, entretanto, se porta segundo os incentivos percebidos. Quando ninguém é punido e quando os corruptos são os vencedores do jogo, a mensagem enviada à sociedade é de que a ser corrupto e não respeitar as regras vale muito a pena e que apenas os “trouxas” não a praticam. É preciso criar uma cultura anticorrupção e a impunidade é um dos obstáculos a essa mudança de paradigma. 

RODRIGO MONTEIRO 

Promotor de Justiça; Mestre em Direitos e Garantias Fundamentais (FDV).

 

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