Publicado no Jornal A Gazeta, Vitória/ES, p. 15, em 03 de setembro 2018
Em uma sociedade pautada por regras essenciais à harmoniosa convivência social as leis e o Direito têm a função primordial de tutelar a paz social. A sociedade é composta por complexas relações e, da mesma forma, cabe ao Direito tutelá-las. Para tanto, com a finalidade de dirimir os conflitos decorrentes dessas relações sociais existe uma área do Direito com competência específica. Para tratar de questões privadas existe o Direito Civil; para os assuntos vinculados às tratativas entre patrões e empregados há o Direito do Trabalho; para tutelar a sociedade e defendê-la daqueles que praticam crimes existe o Direito Penal. E é aqui, no Direito Penal, que vislumbramos uma indiscutível contradição: o mesmo Estado que tutela os interesses da sociedade e deveria aplicar a lei de forma imparcial é quem, dia após dia, constrói teorias jurídicas voltadas unicamente a beneficiar aqueles que infringiram a lei e atentaram contra a própria sociedade. Essas novas teorias jurídicas (algumas nem tão novas assim) permitem uma interpretação da lei com a finalidade explícita de beneficiar quem cometeu crimes. A Constituição Federa garante a todos o direito ao silêncio. Isso quer dizer que ninguém está obrigado a produzir prova contra si mesmo. Referido dispositivo constitucional recebeu uma interpretação que garante ao réu o direito de mentir. Isso mesmo: o réu pode mentir como e quanto quiser, com o objetivo de enganar a Justiça, e isso não é considerado novo crime. De igual modo o artigo 307 do Código Penal tipifica como crime o ato de atribuir-se falsa identidade. Não raro encontramos decisões afirmando que o investigado, a pretexto de não produzir prova contra si mesmo pode, inclusive, apresentar-se com nome falso. O Código Penal traz como causa de aumento de pena do crime de roubo a utilização de arma de fogo. Ocorre que se o bandido ao roubar um celular utilizar um simulacro de arma de fogo, ou mesmo uma arma desmuniciada, estará cometendo o crime em sua forma simples. Para a vítima, que é aterrorizada com uma arma apontada para sua cabeça, faz alguma diferença se se trata de arma municiada ou não? Para as teorias que insistem em beneficiar quem comete crimes, sim! Apresentados esses exemplos resta deixar uma indagação: a quem interessa reduzir gradativamente a proteção à sociedade? A quem interessa massificar o mito do “encarceramento em massa” e de que no Brasil “se prende demais”? Em nosso país o crime compensa uma vez que os riscos de praticar uma infração penal estão cada vez mais reduzidos. A sociedade está próxima ao colapso. É preciso que os operadores do direito se aproximem da realidade e tracem uma estratégia de reconstrução do sistema, pois é visivelmente perceptível que o modelo atual não mais atende às necessidades contemporâneas aptas à manutenção do Estado Democrático de Direito. O Direito Penal que deveria prestar-se à defesa da sociedade como uma ferramenta de inibição a novos crimes tem se tornado um verdadeiro “”Direito Penal do cafuné”.
RODRIGO MONTEIRO
Promotor de Justiça; Membro da ONG “Transparência Capixaba”; Mestre em Direito.

- Imagem pode conter direitos autorais , retirado da pagina https://arturbraian.jusbrasil.com.br/artigos/202860569/da-aplicacao-da-lei-penal-no-espaco