Publicado em A Gazeta, p. 16, em 04 de julho 2017
ONDE FOI PARAR O INTERESSE PÚBLICO?
O princípio da supremacia do interesse público nos revela que a atuação da Administração Pública deverá ter por foco, sempre, a plena satisfação dos anseios da sociedade. Isso significa que diante da contraposição de interesses particulares e públicos cabe aos agentes públicos a obrigação de zelar pelo bem comum. Em sintonia com referido princípio todas as contratações estatais estão vinculadas à observância do interesse público, em atenção, também, ao princípio da vantajosidade. Após o acidente ocorrido recentemente na BR 101, no município de Guarapari, que vitimou 23 pessoas, resta compreender se o contrato firmado entre a União e a empresa concessionária que administra e explora a rodovia, de fato, respeitou o interesse público. Antes, porém, convém diferenciar interesse público e interesse da Administração Pública. Como já afirmado, do interesse público deriva a necessidade de se respeitar as aspirações da coletividade. O interesse da Administração Pública, porém, nem sempre coincide com o interesse público, uma vez que pressupõe a defesa dos desejos do respectivo ente administrativo (aqui o que se sobressai é o interesse da pessoa jurídica de direito público e não o interesse da coletividade). Nesse contexto, estaria o ajuste firmado entre a União e a empresa concessionária que explora a rodovia BR 101, de fato, em sintonia com o interesse público? A União, ao ofertar à iniciativa privada a exploração da rodovia preocupou-se com o interesse público ou, apenas, em desvincular-se do ônus da administração de uma rodovia que atravessa todo o país? Tais ponderações ganham sentido quando se percebe que no Estado do Espírito Santo a concessão de serviços públicos para a exploração da BR 101 teve início em maio de 2013 com a promessa de melhorias nas condições de tráfego e, sobretudo, com a sonhada duplicação. Passados mais de quatro anos desde o início da concessão percebe-se, de Pedro Canário a Mimoso do Sul, que foram construídas sete praças de pedágio e, atualmente, cada veículo de passeio que atravessa os 458 quilômetros da rodovia capixabas precisa desembolsar o valor de R$ 30,60. Ônibus deverão pagar o valor de R$ 61,20. Caminhões maiores, com seis eixos, deverão pagar o valor de R$ 184,40. Em média, constata-se que a cada 65 quilômetros existe uma praça de pedágio. Não é tarefa fácil conseguir levantar os valores arrecadados pela empresa concessionária (segundo informações do Tribunal de Contas da União obtidas a partir de dados colhidos na própria concessionária, no ano de 2015 a receita bruta superou o montante de 182 milhões de reais), entretanto, é de conhecimento de todos que a tão sonhada duplicação ainda não ocorreu. Hoje é possível perceber a presença de lentas obras sem, contudo, a perspectiva objetiva da entrega à sociedade daquilo que fora prometido. Desde o início da concessão as únicas obras que tiveram um ritmo acelerado foram as vinculadas à construção das praças de pedágio. Chama a atenção que mesmo após anos de cobrança de pedágio e sem a entrega à população das obras de duplicação, a empresa concessionária, para cumprir as obrigações pactuadas lança mão de um financiamento público junto ao BNDES. Em suma, a linha do tempo da concessão da rodovia BR 101 transcorreu da seguinte forma: a) a empresa concessionária é autorizada a administrar e explorar a rodovia, mediante o compromisso de melhorias diversas (leia-se duplicação); b) a cobrança de pedágio é iniciada em sete pontos diferentes do trecho capixaba; c) anos se passam e a duplicação ainda dorme em berço esplêndido; d) recursos públicos oriundos do BNDES serão utilizados para o custeio das obras da duplicação. Nesse contexto resta prudente indagar: por onde anda o tal interesse público?
RODRIGO MONTEIRO
Promotor de Justiça; Mestre em Direitos e Garantias Fundamentais (FDV).

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