Publicado no Jornal A Gazeta, Vitória/ES, p. 15, em 03 de setembro 2018
A Lei da Ficha Limpa (Lei Complementar nº 135/2010) completou oito anos em junho último e, sem dúvidas, enfrenta seu maior desafio. Para se chegar à edição de referida legislação, fruto de projeto de iniciativa popular (algo raro à realidade brasileira) foi necessário um árduo trabalho de toda sociedade com a coleta de mais de 1,6 milhão de assinaturas. O objetivo central da mobilização capitaneada pelo Movimento Contra a Corrupção Eleitoral – MCCE, que levou à edição da Lei da Ficha Limpa, foi conferir efetividade ao comando normativo previsto no art. 14, § 9º, da Constituição Federal, que exige o requisito da moralidade como condição essencial ao exercício de mandato eletivo. Em fevereiro de 2012, por decisão da maioria de seus ministros, o STF decidiu pela constitucionalidade da Lei da Ficha Limpa. Foi preciso que uma legislação fosse criada com o intuito de proteger a sociedade de si mesma, eis que ainda não temos a capacidade de eleger representantes vocacionados à defesa do interesse público. Conforme afirmado por Anderson Pedra, “os representantes do povo (legitimados democraticamente), ao invés de atuarem de acordo com a ‘vontade geral’, perseguem interesses particulares próprios ou de terceiros (grupos de apoio)”. Restou necessário que a lei retirasse do alcance do eleitor a possibilidade de escolher um candidato “ficha suja”. Tal constatação se observa no Brasil em razão da fragilidade de nossa democracia e da ausência da uma verdadeira cidadania ativa. Na sociedade brasileira contemporânea impera uma espécie de “cidadania não implantada”, que infelizmente ainda se contrapõe ao ideal de cidadania ativa. Nossa democracia ainda está “adormecida”. Nesse relevante e conturbado momento de nossa história política caberá à Justiça Eleitoral definir se a Lei da Ficha Limpa, mesmo após ter sido declarada constitucional pelo STF, se apresentará como “fato ou fake”, posto que encontra-se pendente de análise o registro de candidatura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, condenado em Segunda Instância a uma pena de doze anos e um mês de reclusão pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro, tornando-se automaticamente inelegível, nos termos da lei. Diante do quadro que se apresenta a Justiça Eleitoral poderá adotar três posturas: a) rejeitar, de plano, o registro da candidatura do ex-presidente em razão da ausência de requisitos objetivos de elegibilidade, mantendo a higidez da Lei da Ficha Limpa; b) permitir a candidatura e, com isso, afirmar, a partir de uma situação casuística, que o princípio constitucional da isonomia, consagrado no art. 5º, da Constituição Federal, o qual determina que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”, não mais terá validade; ou, c) como Pôncio Pilatos, “lavar as mãos” e permitir que os atos de campanha prossigam até à véspera da eleição, de modo que o eleitor seja enganado no momento de sua escolha perante à urna eletrônica e vote em um candidato, porém, acabe por eleger outro.
RODRIGO MONTEIRO
Mestre em Direito (FDV); Membro da ONG “Transparência Capixaba”.

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